quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Quando um ladrão é posto para cuidar do dinheiro


"Judas disse isso, não porque tivesse pena dos pobres,
mas porque era ladrão.
Ele tomava conta da bolsa de dinheiro e
costumava tirar do que punham nela".
João 12.6
Com exceção de Lucas, que cita o nome Judas uma única vez, todos os outros evangelistas citam-no duas vezes. Mateus e Marcos citam-no quando listam os 12 chamados para serem discípulos e quando esse procura os principais sacerdotes para vender o serviço de entregar-lhes Jesus. Lucas cita-o apenas para identificá-lo como traidor. João é quem o apresenta da maneira mais negativa das quatro narrativas.
A primeira vez que João fala de Judas, eles estão na casa de Lázaro. Foi nessa ocasião que Maria quebrou o vaso de precioso perfume sobre os pés de Jesus. João conta que Judas – aquele que estava para trair Jesus – fez referência ao ato de Maria como um desperdício, pois aquele perfume poderia ter sido vendido e o dinheiro dado aos pobres. Todavia, acrescenta João, a observação de Judas devia-se não ao seu cuidado para com os pobres, mas ao fato de ser ele um ladrão que tirava da bolsa de dinheiro do grupo dos discípulos – pela qual era ele o responsável – aquilo que nela era lançado.
A outra vez em que João se refere a esse discípulo é quando estão todos à mesa para a última ceia e, "tendo já o diabo posto no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, que traísse a Jesus ..." Jesus anuncia que "aquele que come do meu pão levantou contra mim seu calcanhar ..., aquele a quem eu der o pedaço de pão molhado". "Tendo-o molhado, deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. E, após o bocado, imediatamente, entrou nele Satanás. Então, disse Jesus: O que pretendes fazer, faze-o depressa."
Não considerando todas as explicações que se dão alhures sobre Judas ser um revolucionário que pretendia forçar Jesus a aceitar a posição de rei-libertador, sendo esse o motivo por que o traiu – explicações essas, ou tentativas de explicações, à parte, o fato é que Judas tinha um problema para lidar com o dinheiro. A referência de João a ele como alguém que não suportava uma homenagem feita a Jesus à custa do derramar de um perfume que poderia ter sido vendido por trezentas moedas de prata, a ponto de justificar o seu incômodo diante do ato de Maria, com uma pretensa preocupação com os pobres – tudo isso – dificulta ter dele uma visão de um revolucionário em busca de libertação política para sua gente.
O mais intrigante, contudo, é ser justamente ele o responsável por "levar a bolsa". Teria sido ele comissionado pelo próprio Jesus? Teria ele se oferecido para esse exercício? A questão é que, tendo recebido essa responsabilidade do próprio Cristo ou não, certamente ele era o responsável pela bolsa com o aval do Mestre, o qual a todos conhecia. Pelo que parece seus atos furtivos não eram desconhecidos nem mesmo dos outros discípulos.
Dessa posição aparentemente passiva de Jesus em relação aos assaltos de Judas à bolsa, salta ao olhar o entendimento de que o dinheiro era, de todas as riquezas, a menos importante para ele. Se a administração da bolsa tomava tempo e era trabalhosa, era preferível que os outros discípulos ficassem liberados dessa responsabilidade, a fim de cuidarem de fazer crescer e aumentar outras riquezas de valor real, tal como a divulgação do evangelho, a consolação dos que choram, a cura dos quebrantados de coração, a proclamação da libertação para os oprimidos e cativos sob qualquer espécie de dominação, o apregoar do ano aceitável do SENHOR e a tarefa de pôr sobre os que estivessem de luto uma coroa, em vez de cinzas, óleo de alegria, em vez de pranto, veste de louvor, em vez de espírito angustiado (Isaías 52).
Pensar que a Judas foi delegada a tarefa de cuidar dos assuntos ligados diretamente ao dinheiro pode fazer que se pense em muitas coisas: uma, mencionada acima, que o dinheiro é, na verdade, a menor das riquezas; outra, ligada, ao trabalho de Deus nos homens, concedendo-lhes a oportunidade de assumir uma atitude diferente, ao outorgar-lhes responsabilidades ligadas justamente às suas principais fraquezas. Pode-se falar, ainda, de que, conhecendo ele todos os corações humanos, mesmo assim, não antecipa seus deslizes, mas age para com os seres humanos com longanimidade; com conhecimento, sim, mas sem desconfiança, até os limites da própria traição, como fez Jesus.
Que responsabilidades Deus lhe outorgou? Pense nelas como atos de tratamento de Deus para com a sua vida.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

A casa ficou cheia do perfume


Ela derramou o perfume nos pés de Jesus.
E encheu-se toda a casa
com o perfume do bálsamo
João 12.3

Quando Jesus esteve nesse mundo, várias pessoas o seguiam, formando, muitas vezes, uma verdadeira multidão. Algumas dessas pessoas haviam sido chamadas nominalmente por ele mesmo para que o acompanhassem: eram os 12. A esse grupo restrito de discípulos que o seguiam mais de perto outras pessoas se agregaram. Para ambos os grupos, de modo especial para os 12, ele disse mais de uma vez que sua missão entre os homens era dar a sua vida a fim de resgatá-los e garantir-lhes vida eterna em comunhão com Deus, o Pai.
Essa mensagem, entretanto, chegava a ser insuportável para alguns de seus seguidores. Era assim para alguns, pelo muito que o amavam; para outros, pela esperança que nutriam de que ele assumisse a glória humana de – como seu rei – libertá-los da dominação estrangeira. Davam a entender, na verdade, que não compreenderam o que ele lhes dizia sobre sua missão.
Uma mulher chamada Maria, contudo, demonstrou ter compreendido a profundidade da missão de Jesus e a necessidade humana de que ele a cumprisse. Era ela irmã de Marta – que se esforçava com o fim de proporcionar a Jesus deliciosas ceias. Era também irmã de Lázaro, aquele cuja morte o comoveu e o moveu a chorar diante dessa realidade que ele veio para mudar através de sua própria morte. A este ele ressuscitou dos mortos, demonstrando seu poder e a autoridade que lhe fora delegada pelo Pai. Eram Marta, Maria e Lázaro: todos seus amigos pessoais.
Algum tempo depois do emocionante acontecimento em que ele chamou Lázaro de volta à vida, foi Jesus recebido em casa de seus amigos os quais lhe ofereceram um jantar. Foi nessa ocasião de estreita proximidade e comunhão com o Amigo, que Maria demonstrou o alcance de seu discernimento e de seu amor: "pegou um frasco cheio de um perfume muito caro, feito de nardo puro e o derramou nos pés de Jesus, enxugando-os com os seus cabelos, de modo que toda a casa se encheu daquele cheiro."
Quem entende um pouco de perfumes pode compreender a grandeza da atitude de Maria. Aquele ato constituía um verdadeiro ritual. De fato, um estudo da história dos perfumes mostra que, inicialmente, eles eram utilizados somente em rituais religiosos, quando eram queimados em oferenda à divindade. Só posteriormente passou a ser utilizado para outros fins.
Quando Maria derramou o perfume sobre os pés de Jesus, houve quem achasse o feito um desperdício. Mas o próprio Jesus advertiu que a deixassem guardar aquele ato para o dia do sepultamento dele. De fato, ela estava demonstrando sua compreensão das palavras ditas por ele tantas vezes, ao falar de sua missão.
Ao mesmo tempo, derramar o perfume significava a profunda adoração que ela prestava ao Mestre, reconhecendo-lhe da divindade, da mesma forma que os magos vindos do Oriente, por ocasião do nascimento de Jesus, trouxeram-lhe, entre seus presentes, perfumes.
Uma das coisas que mais chamam a atenção nessa atitude de Maria é o fato de ela reconhecer dele a divindade e prenunciar o seu sepultamento. Há algo de grandioso demais no Deus que dá a sua vida para resgatar a de seus amigos; no feito do Deus que permite que sua vida seja consumida, derramando-se como um perfume que se espalha no ar.
Maria expressava seu entendimento de que, tal como o perfume, somente a vida doada, entregue e derramada poderá encher a casa com seu delicioso aroma. Ela entendia que essa era a missão de Jesus ao vir ao mundo e compreendia, ainda, que ela, como discípulo dele, era chamada para imitar-lhe o exemplo, permitindo que sua vida fosse desgastada e consumida na mais profunda, sincera e completa adoração ao seu Deus.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Procurando pérolas finas



"O Reino do Céu é também
como um comerciante que anda procurando pérolas finas.
Quando encontra uma pérola que é mesmo de grande valor,
ele vai, vende tudo o que tem e compra a pérola.
Mateus 13. 45, 46

No texto acima, Jesus usa a metáfora do comerciante de pérolas no intuito de facilitar um pouco o entendimento de seus ouvintes acerca do Reino do Céu. Em seu discurso no sermão da montanha, ele dissera que a ansiedade em relação a coisas que estão fora de nosso controle, em geral, levam-nos a viver a vida por antecipação, cheia de pré - ocupações. Afirmou que, em vez de cultivar tal ansiedade, nossas buscas deveriam focalizar o Reino de Deus e a sua justiça, antes de tudo mais.

Mas o fato é que esse acerto na ordem de prioridades das coisas na vida está profundamente ligado àquilo que desejamos. Cada objeto de nossos desejos representa um tesouro, uma pérola valiosa. Passamos a vida procurando pérolas, pérolas finas, pérolas preciosas.

Há pessoas que têm uma vida afetiva confusa e tentam relacionar-se intimamente com muitas pessoas, simultaneamente. Todavia, em geral, a intimidade que alcançam com elas não é mais do que a do nível físico. No dia em que uma pessoa dessas encontra alguém cuja alma une-se à sua e descobre-se numa relação em que a intimidade alcança e ultrapassa o nível das emoções e atinge os lugares mais recônditos do seu ser, sua alma, seu espírito – nesse dia – são capazes de deixar cem relações superficiais, ou até mais, para usufruírem uma única – intensa e intimamente. Trata-se de alguém que achou uma fina pérola, de grande valor.

A metáfora aplica-se bem aos relacionamentos pessoais. Mas aplica-se também a todos os outros níveis de nossas vidas: carreira, pesquisas, projetos, crenças...

A parábola mencionada acima usa tal metáfora para falar de uma pérola que é mais preciosa do que qualquer outra fina pérola que já tenha vindo ocupar um bom lugar numa ordem certa nas prioridades de nossas vidas. A pérola é de todo preciosa e tão preciosa é que torna difícil dizer se a possuímos ou ela é quem nos possui. Para possuí-la ou ser por ela possuídos, seríamos capazes de entregar todas as mais finas pérolas que buscamos e adquirimos ao longo de nossas vidas: nossos relacionamentos preciosos, nossas frutíferas e dignas carreiras, nossas relevantes pesquisas, nossos projetos imprescindíveis, nossas crenças mais antigas...

A crise, a angústia, a grande questão de todo ser humano é essa: a necessidade, o desejo de achar a pérola de grande valor. O perigo é encontrá-la e não se dar conta disso e continuar atribuindo às outras coisas um valor maior do que elas realmente têm.
Não há nada mais precioso do que encontrar a pérola de grande valor. Não há nada mais precioso do que viver conscientemente nossa posição de cidadãos do Reino do Céu, entendendo que esse é o grande tesouro, a pérola de valor inestimável.